Você nasce e já aos quatro anos é obrigado a ir para escola.
Aí se passam treze anos e você se acha o máximo porque conseguiu a tão sonhada
vaga em uma federal. Nesse meio tempo, aconteceu muitas coisas, seus pais se
separaram ou moram juntos, mas nem conversam um com o outro. Muitos de seus
colegas se perderam, outros foram embora e tantos mais não tiveram o luxo de
chegar até aqui. Resolveram desembarcar no meio do caminho. Ok. Faculdade,
quantos anos? Quatro, cinco ou seis. Ufa! TCC aprovado. Estou livre. Merd@ de
curso que não consigo arranjar emprego. Aleluia! Dois anos e finalmente passei
no concurso. Preciso ter minha casa e meu carro. Não, espera. Preciso casar.
Mas tá difícil! Não existe ninguém que presta. Preciso arranjar alguém, não
suporto a crise dos trinta. Vivaaaaa, estou casada, tenho um ótimo emprego, um
bom companheiro e as crianças estão crescendo. Que orgulho, meus dois filhos
formados. Ainda bem que a separação não afetou o estudo deles.
Hoje, já aposentada, sentada em sua cadeira de balanço,
vendo seus netos brincarem no jardim ela se sente indiferente. Não sabe o que
aconteceu. Houve alguma parte desse caminho em que se perdeu. Não sabe bem onde
foi. Afinal, não era para ela se sentir realizada? Tem tudo que sempre sonhou.
Tudo o que idealizou. Mas tudo o que sente é um vazio. Um nó na garganta. Como
se tudo o que viveu tivesse sido apagado e restou apenas o arrependimento. Não arrependimento
pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer.
Ela se lembra que quando era jovem, queria sair dessa
cidade, conhecer o mundo. Viver muitos amores. Mas isso não aconteceu. O
comodismo a cegou. A ambição por bens materiais a quebrou. O dinheiro e o poder
consumiram sua alma.
Ela estava quebrada, e não sabia o motivo. Bem na verdade, ela sabia uma
parte dele. A vida. A vida a havia quebrado. Suas escolhas a havia quebrado. Despedaçado.
Feito em milhões de pedaços. Toda a sua vida foi uma grande mentira. Ela
acreditava em algo impossível. Hoje, convive com os fantasmas do passado. Com
os fantasmas dos e se? Com os fantasmas dos deveria ter feito isso, ou aquilo.
Ela percebeu, já
tarde, que demorou demais para fazer o que precisava ser feito. Esperou demais
para ler os livros, ouvir as músicas e conhecer pessoas que mudariam sua
maneira de ver o mundo. Esperou demais para ser mãe de seus filhos pequenos. Esperou
demais para amar e dizer eu te amo. Esperou demais para rir de si mesma.
Esperou demais para ver que o futuro é uma grande ilusão. Esperou demais para
sentir a vida. Esperou demais para viver o agora. E de tanto esperar, acabou que chegou a vez dela desembarcar. Enfim, sua espera havia terminado.